Cirurgia aberta electiva do aneurisma da aorta abdominal

Redação News Farma
03/12/14
gama c74b3De 4 de março de 1977 a 8 de Outubro de 2014, ou seja no decurso de 37 anos consecutivos, tive a oportunidade de tratar 433 aneurismas da aorta abdominal infrarrenal, em circunstâncias eletivas.

Numa época, como é a atual, em que o tratamento endovascular assume um papel preponderante no tratamento desta enfermidade, mau grado as suas reconhecidas limitações e insuficiências, pareceu ao autor ser oportuna a divulgação da sua experiência, que tem a particularidade de ser individual e homogénea, em oposição a muitas séries publicadas na literatura sobre o tema, que retratam frequentemente experiências institucionais e heterógeneas, constituidas pelo somatório de múltiplas contribuições individuais.

A presente série inclui exclusivamente aneurismas degenerativos da aorta abdominal infrarrenal eletivos, excluindo os aneurismas operados em rotura, bem como os infecciosos, dissecantes, pós-traumáticos, anastomóticos ou resultantes de doenças auto-imunes.

A distribuição quinquenal assume a forma de uma curva gaussiana, com um pico de incidência no período de 1991 a 1995, em que foram operados 82 doentes.

Os 433 doentes compreendem 409 homens e 24 mulheres (5,5%), com uma idade média global de 68.7 anos (min 42 a., máx 91 a.); a idade média dos homens foi de 68.3 anos e as mulheres eram um pouco mais idosas, com uma média de 72.0 anos.

O tratamento cirúrgico recorreu à técnica convencional, que consiste na ressecção parcial do aneurisma seguida da sua substituição por uma prótese vascular, que foi reta em 43.1% dos casos e bifurcada em 56.9%. Dois casos constituíram exceções a esta regra: um doente recebeu um homoenxerto aórtico criopreservado e outro caso foi objeto de laqueação da aorta infrarrenal e revascularização axilobifemoral.

Múltiplas intervenções ou reconstruções de natureza vascular ou outra, que são discriminadas, foram realizadas simultaneamente, por razões de necessidade ou de oportunidade.

A mortalidade operatória global, aos 30 dias, foi de 16 doentes (3.6%), todos do sexo masculino, com uma idade média de 74 anos. Onze destes doentes (68.7%) morreram essencialmente de causa cardíaca e os restantes de circunstâncias diversas tais como falência multiorgânica, insuficiência renal ou hepática e isquemia intestinal.

A mortalidade operatória foi declinando ao longo do tempo: de 1977 a 1993 foi de 4.5%; de 1994 a 2014 foi de 2.9%; e nos últimos 100 casos da série, foi de 2.0%.

Confrontados com os dados da literatura, nomeadamente com a maior meta-análise até agora publicada, que inclui 115.273 casos resultantes da soma das 14 maiores séries de doentes operados de aneurisma da aorta abdominal, publicada por Young et al. (J Vasc Surg 2007;46:1287-64) e que regista uma mortalidade perioperatória de 5.56%, a nossa experiência, com uma cifra de 3.6%, não pode deixar de ser encarado como extremamente lisongeira e gratificante.

As complicações operatórias imediatas e as tardias que puderam ser identificadas são objeto de análise discriminada e particular atenção foi dedicada a cinco capítulos que gravitam em torno do tratamento cirúrgico do aneurisma da aorta abdominal e que merecem destaque e que são o tratamento do aneurisma justa-renal, a colite isquémica pós-operatória, o aneurisma inflamatório, a associação do aneurisma a portador de rim transplantado e, finalmente, as anomalias anatómicas que não raras vezes colocam verdadeiros desafios à imaginação e criatividade do cirurgião.

Baseado nesta exaustiva avaliação de uma larga experiência individual e homogénea no tratamento de uma entidade degenerativa de implicação vital, o autor termina a sua apresentação enunciando as principais conclusões por ela proporcionadas:

- A cirurgia aberta do aneurisma da aorta abdominal é um método não-seletivo, universal, aplicável a todos os tipos de aneurisma, independentemente da sua morfologia, dimensão ou particularidades do colo;

- Assume um caráter curativo e definitivo, visto promover a remoção e substituição da aorta doente;

- Permite o tratamento concomitante de inúmeras situações ou patologias, de natureza vascular ou outra;

- A morbimortalidade perioperatório aos 30 dias é baixa em relação com os dados da literatura e tende a decrescer com a experiência acumulada;

- Os resultados são excelentes e perduráveis e as complicações tardias ou reintervenção são raras ou excecionais;

- Os principais fatores que influenciam os resultados são, para além do doente e as suas comorbilidades, o cirurgião e a sua experiência e a diferenciação da instituição hospitalar onde decorre a assistência.

Um conjunto de atributos que têm tendência a evoluir e a aperfeiçoar-se com o decorrer do tempo e legitima a evocação de um conhecido ditado da cultua britânica: "Practice makes perfect".

Por Prof. Doutor A. Dinis da Gama, departamento de Cirurgia Vascular do Hospital da Luz, Lisboa

Artigo publicado no Jornal do Congresso do XIV Congresso da SPCCTV


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