Racionamento na saúde equivale a mais despesa e menos doentes tratados

Redação News Farma
22/01/13

Prof. Carlos Gouveia PintoTrês meses depois de se tornar público um parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) que considerava existir um fundamento ético para que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) promova medidas para conter custos com medicamentos, que assegurassem uma "justa e equilibrada distribuição dos recursos", a discussão continua.


Quando estão em causa doenças graves, crónicas e incapacitantes, está certo racionar ou devemos racionalizar?

"Toda a ciência económica é baseada na ideia de que é preciso tomar decisões, sendo que ao economista cabe, sobretudo, avaliar quais são os critérios mais racionais para fazer essa escolha", afirma o Prof. Carlos Gouveia Pinto, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, explicando que isso acontece porque os recursos são escassos.

Para o economista da saúde, existe alguma "confusão" entre os conceitos "racionar" e "racionalizar". No seu entender, "racionamento não é unicamente proibir as pessoas de fazerem algo", mas também "colocar obstáculos" a que o façam. Assim, no caso da saúde, as taxas moderadoras ou as filas de espera são formas de racionamento. Todavia, mais importante do que os conceitos "é a existência de critérios de eficiên-cia e equidade claros", assim como de bom senso e análise não só dos custos diretos, mas também indiretos.

Segundo indica, as opções políticas sempre se basearam na premissa de que é necessário apostar em determinados programas em detrimento de outros, ou seja, "sempre se estabeleceram prioridades". Em Saúde, acontece o mesmo. "A aposta é feita em determinadas opções, que prolongam mais a vida e lhe dão qualidade em detrimento de outras."

Prof. José Manuel SilvaO bastonário da Ordem dos Médicos, Prof. José Manuel Silva, reconhece que os recursos são finitos e que é necessário fazer escolhas. Porém, considera, "estas têm de começar um passo mais atrás", sobretudo, "quando se define o Orçamento Geral do Estado e quando se faz o racionamento pelos vários ministérios e setores".

Na sua ótica, não pode simplesmente atribuir-se uma verba de 7 milhões de euros e pedir para fazer escolhas.

O responsável não aceita que lhe digam: "Agora para a saúde vão só 5% do PIB, enquanto continuar a haver excesso de deputados e uma frota milionária de automóveis do Estado." E adverte: "Na Saúde, o racionamento é igual a menos curas, menos doentes tratados, mais mortes e mais despesa."

JÁ HÁ DOENTES PREJUDICADOS COM O RACIONAMENTO

Emília RodriguesEnquanto presidente de uma associação de doentes – SOS Hepatites –, Emília Rodrigues afirma que tem vindo a deparar-se com alguns casos de racionamento, provenientes, sobretudo, de uma iniciativa de 14 administrações hospitalares do Norte que fizeram uma Ata, que, entre outros fármacos, limita a disponibilização dos novos inibidores de protease no tratamento da hepatite C.

A responsável admite existirem, pelo menos, entre 200 a 300 pessoas à espera da medicação adequada. E relata o caso de um senhor que aguardou pela entrega dos medicamentos de janeiro até setembro, tendo entrado em descompensação cirrótica e acabado, infelizmente, por falecer.

José Manuel Silva alerta para o facto de, "no caso da hepatite C, as administrações hospitalares estarem a racionar os dois medicamentos mais inovadores, impedindo que cerca de 30 a 40% sejam curados, e isso tem implicações em termos de despesa".

Por outro lado, "os hospitais que utilizam estes antivíricos estão a fazê-lo com base em autorização especial, ou seja, caso a caso, e isso faz com que a aquisição do medicamento seja muito mais cara do que quando este está autorizado e devidamente negociado com os laboratórios farmacêuticos que comercializam os dois fármacos. É um racionamento sem qualquer tipo de racionalização, prejudicando os doentes e o erário público".

O bastonário admite que estes medicamentos para a hepatite C possam ser incluídos no registo nacional da sua utilização para que haja critérios bem definidos e assumidos para a sua utilização e para a auditoria da sua utilização, para que tenhamos a certeza de que estão a ser utilizados de acordo com a "mais rigorosa evidência científica e sem qualquer desperdício".

José Manuel Silva adverte ainda que há um conceito em Medicina que tem de ser equacionado, a "imprevisibilidade terapêutica". "Quando administramos um fármaco não sabemos como ele vai reagir. Desta forma, não podemos impedir os doentes que iam ter uma boa resposta de a ter", finaliza.

BASTONÁRIO DA ORDEM DOS MÉDICOS:

"A ética numa sociedade deve ser definida com a participação de todos"

Uma das questões admitidas à discussão pelo parecer do CNECV é a "permissibilidade de racionamento por idade", o que, para José Manuel Silva, é "absolutamente inaceitável numa sociedade civilizada".

O bastonário considera haver tanto para racionalizar que se "torna ainda mais chocante que se vá pela via mais fácil, o racionamento, que não obriga a reorganizar nem a reestruturar nada".

O responsável é da opinião que ninguém tem o direito de impor o seu conceito ético à população. "Não é aceitável que um parecer com esta implicação tenha sido decidido dentro de quatro paredes. A ética numa sociedade deve ser definida com a participação de todos", refere.

O responsável entende que há ainda espaço para poupanças noutras áreas que não a do medicamento, como por exemplo através da agilização de uma central nacional de compras ou da criação de centrais regionais. "O Ministério da Saúde podia poupar dezenas de milhões de euros em economia de escala, não só nos medicamentos, mas também nos consumíveis e nos dispositivos médicos", justifica.

Segundo refere, só agora é que se está a fazer um registo dos dispositivos médicos no Infarmed. "Até aqui, cada hospital comprava à sua maneira", afirma, adiantando haver hospitais a comprar medicamentos ao dia.

Para o bastonário, é necessário ter uma visão estratégica e olhar para a Saúde como um setor de negócio importante, porque contribui também para a economia do País.

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