Na última década, temos assistido a um aumento crescente do interesse global sobre o papel do exercício físico na prevenção e gestão das doenças oncológicas. O aparecimento de grupos multidisciplinares dedicados a esta temática, o desenvolvimento de investigação e publicação científica de qualidade e a divulgação de recomendações específicas por algumas sociedades internacionais reforçam que este é, sem dúvida, um “hot topic” da Oncologia atual.
É consensual que a prática regular de exercício físico, principalmente se associada a outros hábitos de vida saudável, diminui o risco de aparecimento de diversos tipos de cancro, como, por exemplo, o cancro do cólon e da mama. (1) Além disso, mesmo após o diagnóstico, o exercício tem revelado múltiplos benefícios. Em 2014, a ESMO recomendou inclusivamente que a prática de exercício deveria constituir um standard of care para todos os sobreviventes oncológicos. (2) A evidência disponível até ao momento revela melhoria a nível da qualidade de vida, bem como no controlo de diversos sintomas, como a fadiga, a ansiedade e sintomas depressivos. (3) No que concerne a fadiga, é importante realçar que esta constitui um dos sintomas mais prevalentes nos doentes oncológicos, cerca de 50% (4), e a sua gestão é dificultada pela etiologia multifatorial e escassez de opções terapêuticas. Neste campo, o exercício provou ser das poucas intervenções eficazes, sendo recomendado com alto nível de evidência. (5) Relativamente ao impacto em sobrevivência, o exercício parece ainda poder relacionar-se com um menor risco de recidiva e morte em algumas patologias. (6)
Apesar do exposto, permanece a preocupação de como poderá ser personalizada a prescrição segura e eficaz de exercício físico, numa população tão heterogénea e clinicamente exigente como a dos doentes com cancro, principalmente naqueles sob quimioterapia (QT). (7,8,9)
Conciliando a minha experiência enquanto médica oncologista e doente com cancro, que teve oportunidade de integrar um programa de exercício (em contexto de investigação clínica) durante todo o período de QT, cabe-me reconhecer que existe ainda um longo caminho a percorrer. Apesar disso, acho que vale a pena refletir sobre alguns pontos que me parecem cruciais, se equacionarmos incorporar o exercício no plano oncológico dos doentes sob QT.
Assim, a constituição de equipas multidisciplinares na avaliação prévia do doente, na prescrição do plano de treino e no acompanhamento regular ao longo do mesmo é fundamental. A avaliação conjunta pela oncologia, cardiologia (com recurso a ECG, ecocardiograma e prova de esforço), fisiatria e fisiologia do exercício permitiu aferir de forma adequada a minha condição física inicial. A possibilidade de integrar nesta avaliação, se necessário, psicologia e nutrição é sem dúvida uma mais valia. Durante os momentos de treino, fui acompanhada em permanência por um fisiologista do exercício, com formação específica na área do exercício e cancro, atento às principais toxicidades analíticas e clínicas e em comunicação regular com a equipa médica. O acompanhamento por um profissional com estas características contribui para assegurar o cumprimento do plano proposto e em simultâneo para a segurança de todo o processo de treino.
Para além de uma equipa dedicada, as especificidades dos doentes sob QT, nomeadamente pelo risco de neutropenia e infeção, assim como pela maior fragilidade clínica, poderão exigir um ambiente de treino mais controlado. Nesses casos, o ginásio inserido no contexto comunitário geral, poderá não ser o mais adequado.
Paralelamente, a educação dos doentes para a saúde irá contribuir para uma maior motivação e adesão ao plano, bem como para a vigilância ativa e pessoal de eventuais intercorrências. Este aumento de literacia em oncologia permitirá um maior e melhor envolvimento do doente na discussão e definição de objetivos e na tomada de decisões.
Por último, o desenvolvimento de conhecimento sólido, nomeadamente com recurso a estudos cuidadosamente desenhados e que entrem em linha de conta com as características dos doentes, da doença oncológica e do plano de treino permitirá avançar na personalização dos programas, indo de encontro às necessidade e objetivos de cada doente.
A mudança de paradigma relativa à prática de exercício físico nos doentes com cancro está já em curso. Cabe-nos a nós, profissionais de saúde, delinear de forma adequada o plano científico e técnico para a sua implementação em Portugal. Em simultâneo, cabe-nos a nós, doentes, exigir que ele seja posto em prática, no melhor interesse de todos.
Referências bibliográficas:
1- McTiernan A et al. Physical Activity in Cancer Prevention and Survival: A Systematic Review. Med Sci Sports Exerc. 2019 Jun;51(6):1252-1261. doi: 10.1249/MSS.0000000000001937.
2- ESMO Handbook of rehabilitation issues during cancer treatment and follow-up. ESMO Press 2014
3- Campbell KL et al. Exercise Guidelines for Cancer Survivors: Consensus Statement from International Multidisciplinary Roundtable. Med Sci Sports Exerc. 2019 Nov;51(11):2375-2390. doi: 10.1249/MSS.0000000000002116
4- Al Maqbali et al. Prevalence of Fatigue in Patients With Cancer: A Systematic Review and Meta-Analysis. J Pain Symptom Manage. 2021 Jan;61(1):167-189.e14. doi:10.1016/j.jpainsymman.2020.07.037.
5- Fabi A et al. ESMO Guidelines Committee. Electronic address: clinicalguidelines@esmo.org. Cancer-related fatigue: ESMO Clinical Practice Guidelines for diagnosis and treatment. Ann Oncol. 2020 Jun;31(6):713-723. doi: 10.1016/j.annonc.2020.02.016.
6- Morishita S et al. Effect of Exercise on Mortality and Recurrence in Patients With Cancer: A Systematic Review and Meta-Analysis. Integr Cancer Ther 2020 Jan-Dec; 19:1534735420917462 doi: 10.1177/1534735420917462.
7- The Lancet Oncology. Exercise and cancer treatment: balancing patient needs. Lancet Oncol. 2018 Jun;19(6):715. doi: 10.1016/S1470-2045(18)30376-0.
8- Cormie P et al. Exercise as part of routine cancer care. Lancet Oncol. 2018 Sep;19(9):e432. doi: 10.1016/S1470-2045(18)30598-9.
9- Mina DS et al. Exercise as part of routine cancer care. Lancet Oncol. 2018 Sep;19(9):e433-e436. doi: 10.1016/S1470-2045(18)30599-0.