Dia 1 de dezembro de 2021, mais um ano que se assinala o dia mundial de luta contra a SIDA e mais um ano em que o mundo falha no combate à infeção, ou seja, mais um ano em que todos nós falhamos. Segundo os dados apresentados pelo último relatório da ONUSIDA (dezembro, 2021) em 2020, e durante uma pandemia mundial, ocorreram 1.5 milhões de novas infeções e 680 mil pessoas perderam as suas vidas devido a complicações decorrentes da SIDA. Se não atuarmos com rapidez e destreza, estes números desastrosos traduzem-se em 7.7 milhões de mortes relacionadas com a SIDA em 10 anos. Um custo demasiado elevado para a humanidade e um número mais alto do que as mortes pela pandemia da COVID-19 que fez parar o mundo.
A ciência fez a sua parte e temos à nossa disposição já vários instrumentos para quebrar a cadeia de transmissão do VIH e outros tantos ainda estarão para vir. Porém, o acesso à prevenção, à informação e ao tratamento ainda encontram muitas barreiras e apesar do VIH ser democrático e não escolher em função de qualquer característica biosociocultural que tenhamos, os serviços que são disponibilizados parecem, infelizmente, não seguir o mesmo caminho.
Sabemos também hoje, que são as cidades e grandes centros urbanos que, devido à sua grandeza e densidade populacional, comportam pelo maior número de novas infeções. Seguindo este racional, a ONUSIDA em conjunto com a International Association of Providers of AIDS Care, com a cidade de Paris e com a UN-Habitat criaram em 2014 a iniciativa das Fast-Track Cities (cidades na via rápida) para a eliminação do VIH, tuberculose, hepatites virais e outras infeções sexualmente transmissíveis até 2020. Uma simples fórmula é avançada para quebrar a cadeia de transmissão: 90-90-90. Isto é, 90% das pessoas que vivem com a infeção pelo VIH sabem do seu diagnóstico. Não é díficil perceber o porquê de este ser o ponto de partida na medida em que para tratar qualquer infeção ou doença é preciso saber que se a tem.
Partimos, por isso, do diagnóstico das pessoas que vivem com a infeção pelo VIH para depois colocarmos dessas 90% em tratamento antiretroviral. Um tratamento altamente eficaz que permite às pessoas que vivem com a infeção pelo VIH terem uma vida perfeitamente “normal” com uma esperança de vida igual à de qualquer outra pessoa sem patologia e sem nenhuma restrição na sua vida, repito nenhuma (não houvesse tanto estigma associado ao VIH). Depois de termos 90% das pessoas em tratamento, o objetivo é que 90% dessas cumpram o seu esquema terapêutico por forma a ficarem com a carga viral indetetável, ou seja que o vírus está presente em quantidades tão pequenas que não é possível quantifica-lo. As pessoas que se encontram com a sua carga viral indetetável não transmitem o vírus e quebram a cadeia de transmissão. É importante reforçar esta mensagem, não há transmissão do VIH por alguém que vive com a infeção e tenha a carga viral indetetável. É ciência, não é opinião.
Em Portugal, 10 municípios: Almada, Amadora, Cascais, Lisboa, Loures, Odivelas, Oeiras, Porto, Portimão, Sintra e a região autónoma da Madeira comprometeram-se em 2017 e 2018 com as metas dos 90-90-90. A 3 de dezembro deste ano, estes mesmo municípios e região autónoma, renovam os seus votos com as novas metas avançadas pela ONUSIDA, de 95-95-95 (95% de pessoas diagnosticadas, dessas 95% em tratamento e dessas 95% com carga viral indetetável, elevando a fasquia na trajetória para zero novas infeções pelo VIH até 2030. Objetivos ambiciosos, mas necessários se queremos eliminar a infeção pelo VIH em Portugal.
Voltando ao i=i, isto é, da carga viral estar indetetável e por isso o VIH ser intransmissível. Creio que esta mensagem é de um valor imenso para quem vive com o VIH e extremamente libertador, mas não chega. É preciso trabalhar o outro lado, o lado de quem não vive com a infeção. É preciso que quem vivem com a infeção pelo VIH saiba que não vai ser estigmatizada e discriminada em função do VIH. Precisa de saber que somos contra qualquer tipo de estigma e discriminação e que estamos com eles por uma sociedade informada e justa. Não basta dizermos que não discriminamos, temos que repudiar qualquer ato de estigma e/ou discriminação. Zero tolerância para o estigma e discriminação é por isso também um dos objetivos das Fast-Track Cities e assim também das cidades signatárias.
Portugal consegue alcançar os objetivos da ONUSIDA antes de 2030, mas precisamos de comprometimento político, de reformas na saúde que permitam uma proximidade maior com as comunidades, de uma maior valorização, financeira até, das organizações da sociedade civil de base comunitária que já demonstraram que são capazes de liderar esta causa e de uma maior cooperação entre o governo central e o governação local e o envolvimento e participação cabal das pessoas que vivem com a infeção pelo VIH na decisão dos seus cuidados de saúde. Portugal tem tudo para ser pioneiro a nível mundial como um dos primeiros países a ter zero novas infeções pelo VIH. Sejamos audazes.